Estudante de 18 anos conquistou pontuação suficiente no Enem para o curso de Geografia e já cursa Nutrição no IFCE — Foto: Honório Barbosa.
No último vestibular da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a jovem Moliny Késsya Freitas de Abreu, de 18 anos, alcançou uma nova conquista ao ser aprovada para cursar pedagogia no Campus da Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu (Fecli). Ela é a primeira estudante com Síndrome de Down a ingressar neste campus.
Natural do município de Iguatu, Moliny é filha de professora e tem duas irmãs que também lecionam. “Ela sempre foi muito independente e, para além disso, sempre se mostrou muito dedicada aos ensinamentos. Tivemos a preocupação de garantir a ela essa autonomia em seu desenvolvimento”, lembra a irmã Mônik Kely Freitas de Abreu. A jovem ingressou ainda cedo na escola da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), a partir de onde começou sua trajetória.
Após concluir o ensino fundamental, ela foi matriculada no Liceu de Iguatu para cursar o ensino médio. Em três anos, Moliny se destacou e surpreendeu o corpo docente da escola. “O que mais me surpreendia nela era sua participação em sala de aula. A condição dela nunca foi obstáculo para desempenhar qualquer atividade. E ela conseguia ir além. Até em seminários, ela se destacava por ter seus trabalhos em dias e muito bem produzidos”, expõe a professora Kerly Nunes Bezerra de Amorim.
“Acredito que o papel da unidade de ensino é se adaptar ao aluno que tenha qualquer necessidade para conferir a ele um ensino de qualidade. No caso da Moliny, tivemos menos dificuldades devido a base educacional que ela adquiriu em casa e ao esforço que ela desempenhava em sala de aula”, revela Claúdia Medeiros, diretora do Liceu.
A mãe de Moliny, Josefa Valdecir Abreu de Freitas, lembra que a gravidez se deu quando já estava com idade avançada. “quando tivemos a notícia, é natural que ocorresse uma preocupação extra. Afinal, há quase dois séculos, criar uma filha com Down possuía muitos desafios”, relembra Josefa. O sentimento de “medo”, segundo o pai Milton de Freitas, logo foi substituído pelo carinho. “Ela é muito mais que um filha, é um cristal”, afirma emocionado.
A outra irmã, Môngola Keyla Freitas de Abreu, avalia que “as maiores limitações, no fundo, foram muito mais nossas do que dela própria, que sempre teve uma rotina normal. Tentávamos protege-la excessivamente quando ela já era capaz. Ela faz sua própria cama, escolhe a própria roupa e cumpre todos os deveres de casa sem que seja preciso chamar sua atenção”.
Com tamanho carinho recebido de todos que a cercavam, Moliny foi além das expectativas. Em 2018, foi aprovada no curso técnico de Nutrição e Dietética no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE) de Iguatu. A conquista, no entanto, não foi suficiente para a jovem que tinha o sonho de ser professora, “igual a minha mãe e minhas duas irmãs”, segundo ela. A decisão foi endossada após a irmã Mônik ficar grávida. “Ela dizia que queria ser professora para ensinar meu filho a ler e a escrever”, relembra.
Dedicação
Decidida a cursar Pedagogia, Moliny criou sua própria planilha de estudos e, durante todo o ano passado, se dedicou com mais afinco aos estudos. “Eu gosto muito de ler. Isso me ajudou. Durante a preparação, também assistia vídeos aulas e tirava as dúvidas com minhas professoras”, conta a jovem, que elegeu Biologia como sua matéria preferida.
“Nós a preparamos para que ela alcançasse seu objetivo no futuro, mas ninguém esperava que ela fosse conseguir tão rapidamente. Aliás, ninguém a não ser ela mesma”, brinca Mônik. “Quando a gente conversava em casa, ela sempre dizia que iria ser aprovada de primeira”, revela o pai. “Eu sabia que iria conseguir”, acrescenta a jovem vaidosa.
Moliny não só conseguiu, como foi adiante. Além da aprovação na Uece, a iguatuense obteve pontuação suficiente no Enem para cursar Geografia no IFCE.
Educação inclusiva
O vice-coordenador da Fecli, Pedro Silvio, destacou que ela será a primeira aluna com Down a ingressar na Universidade. “Ao mesmo tempo em que nos sentimos felizes e honrados, recebemos a notícia como um grande desafio de garantir as condições necessárias para que ela tenha um bom aprendizado e que o direito dela seja assegurado plenamente. Queremos uma educação cada vez mais inclusiva”, disse, ao ansiar que a aprovação da jovem “sirva de exemplo para toda a sociedade que ainda é muito preconceituosa”.
A partir do segundo semestre deste ano, a rotina será dividida entre o curso técnico e o curso superior. A extensa carga de estudos, porém, não assusta a universitária. “Estou muito feliz, meu coração está transbordando. Agora vou me dedicar aos dois cursos. Vou realizar meu sonho de ser professora”.