A equipe em que Thaynnara atua atende a cerca de 30 a 36 mulheres, por ano, na região do Cariri
Foto: Daniele Campos
Com uma forma mais “humana” e “acolhedora”, foi assim que nasceu a pequena Mariana no dia 27 de março, no Hospital São Camilo, em Crato. A mãe, a professora e advogada Patrícia Oliveira, optou por contratar uma equipe multidisciplinar que trabalha com parto humanizado, método em que o respeito à mulher como protagonista é fundamental. A procura por este tipo de procedimento, seja domiciliar ou realizado nas unidades de saúde, tem crescido na região do Cariri nos últimos anos e, aos poucos, quebra o tabu sobre dar à luz como um momento de dor.
“É um momento sensível na saúde física e emocional. É importante ter o acompanhamento que você confie, que sua vontade será respeitada”, resume Patrícia. A advogada conheceu este tipo de parto através de amigas, antes mesmo de engravidar. Com a gestação, passou a se informar ainda mais
A obstetra Jamilly Ferreira explica que o termo “humanização” vem do pressuposto de respeitar a atenção da mulher. “A gente tem toda uma equipe multidisciplinar para acompanhar o caso”, explica. Além dos médicos, a equipe pode ser composta por uma ou mais doulas – assistentes que acompanham a mãe desde os primeiros meses de gestação até as primeiras semanas de parto -, um técnico de enfermagem e um anestesista. Este último, somente em alguns casos.
Um dos trabalhos fundamentais é diminuir a ansiedade da paciente ou de algum familiar que a acompanha, com o desafio de tornar o parto, tido como sofrimento, em um momento prazeroso. No próprio Hospital São Camilo a equipe já conta com recursos auxiliares como banheira com banho de água morna, que diminui a dor e desenvolve métodos complementares, como a aromaterapia – utilização de óleos essenciais ou outro tipo de fragrância para melhorar o bem-estar físico e psicológico da mulher.
Para isso, o papel da doula também é fundamental, pois, auxilia nos exercícios que favorecem a descida do bebê no canal de parto, consequentemente, diminuindo o tempo. “Tem o exercício da borboleta, que abre os ossos da bacia, favorecendo a saída do bebê e as dancinhas que mantêm as mulheres em posições verticais e mexendo o quadril, que ajuda a ritmar as contrações e torná-las mais frequentes”, descreve Thaynnara de Sá Barreto, enfermeira obstetra que atua como doula.
Thaynnara se formou em Enfermagem há 10 anos e, por dois anos de curso, atuou em um projeto que já trabalhava com assistência humanizada. “Sempre me identifiquei muito”, garante. Por isso, resolveu fazer especialização em obstetrícia. Na clínica médica, conheceu a atuação da doula através do grupo Roda Semear, mas a metodologia domiciliar ainda não a atraía.
Porém, quando teve seu primeiro filho, a enfermeira sofreu violência obstétrica. Segundo ela, o médico cansou de esperar o parto normal e realizou o procedimento no método cesariano “sem indicação real nenhuma”, lembra. “Tive um pós-parto horroroso”, acrescenta. Sete meses depois, conheceu a médica Patrícia Alencar, obstetra, que explicou sua metodologia e a convidou a participar de sua equipe como doula.
Traumas
Muitas vezes, as mulheres sofrem violência obstétrica. “Tem paciente que chega sem saber até que vai ter dor ou que tem direito a acompanhante, que é permitido por lei, mas muitos médicos não a obedecem. Não oferecem direito de a mulher escolher em que posição vai parir. Isso acontece, seja no serviço público ou particular”, explica Thaynnara.
A enfermeira conta que dois procedimentos, em especial, são muito utilizados durante o nascimento, e as mulheres sequer são consultadas. O primeiro deles é a episiotomia, no qual é feita uma incisão na região do períneo, área entre a vagina e o ânus, para ampliar o canal de parto. Seu uso só se justifica em alguns casos, mas sua utilização ainda é frequente. O outro é a manobra de Kristeller, que consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com objetivo de facilitar a saída do bebê. “Há diversos artigos contraindicando os dois. São violentos, abusivos e perigosos para a saúde da mulher”, acredita.
Uma mulher que pediu para não se identificar conta que foi vítima de violência obstétrica por um médico do Cariri. “Me colocaram na maca e não podia caminhar ou sair da sala. Ele conduzia a hora que deveria colocar força e quando não colocar”, lembra. Por conta da demora no nascimento, foi feita uma episiotomia que, hoje, ela acredita ter sido desnecessária.
A paciente, porém, só se deu conta de que havia sido vítima de violência obstétrica quando engravidou do seu segundo filho. A partir de então, começou a pesquisar sobre planos de parto e os direitos que as mulheres têm e optou pelo parto humanizado. “Como eu queria ter normal novamente, mas tinha ficado com o trauma do que tinha acontecido, não queria a pressão de alguém mandando. Aí fui para palestras, ler a respeito de parto, plano de parto e conheci a figura da doula”.
O mesmo médico também a acompanhou no segundo nascimento, mas a violência começou já no pré-natal, quando afirmou que o bebê estava crescendo muito. “Fez essa pressão psicológica. Mas consegui outra médica para fazer meu parto, porque sabia que ele ia sugerir fazer cesariana”, conta. Com a demora no nascimento, o obstetra continuou tentando convencê-la a fazer no modelo cirúrgico, mas não foi preciso. “Uma das violências era começar em dieta zero e o trabalho de parto normal precisa se alimentar, de força. Eu briguei com ele. Tanto é que não voltei mais pra ele”, completa.
Denúncias como esta motivaram Patrícia Oliveira a procurar o parto humanizado para o nascimento de Mariana, hoje com um mês de vida. “A preparação além de física, é muito psicológica. Tem a ver com muitos tabus e com uma carga social e cultural muito forte. Mexe com os medos”. Com os procedimentos violentos narrados como rotina, ela procurou desconstruir isso assistindo a filmes e conversando com outras pessoas sobre parto.
Para Patrícia, uma das coisas fundamentais foi a preparação psicológica dela e do marido, que acompanhou o processo. “É uma coisa muito íntima. Eu passei boa parte do trabalho de parto em casa, com meu companheiro dando assistência a mim, até a chegada da doula”, conta. Já no hospital, seu próprio companheiro cortou o cordão umbilical e os primeiros cuidados com Mariana foram feitos na sala de casa, com o casal acompanhando. “Na lógica do parto humanizado, os procedimentos com o bebê são importantes. Foi muito especial, muito bonito. É algo que foi muito pessoal, que foi respeitado. A experiência é muito boa, porque participei desse momento da minha vida. Isso é inexplicável”, exalta a advogada.