Insípida, inodora e incolor. São essas as características habitualmente atribuídas à água. No entanto, nem sempre todos esses elementos se fazem presentes no líquido fornecido para algumas localidades cearenses. Somente nos primeiros nove meses deste ano, a Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce) multou em mais de meio milhão de reais a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).
Todos os 35 processos administrativos punitivos contra a Cagece, que é responsável por prestar serviços de distribuição de água e esgotamento em 151 dos 184 municípios do Estado, neste ano, referem-se à qualidade da água. O quantitativo de infrações desta natureza saltou de 23, ao longo de todo o ano passado, para 35, até setembro de 2019.
O coordenador de Saneamento Básico da Arce, Geraldo Basílio, esclarece que “as multas desta natureza avaliam o fornecimento de água fora dos padrões de potabilidade estabelecidos pela legislação”. O controle e a qualidade da água são definidos pelo Ministério da Saúde por meio de portaria que especifica os padrões mínimos de potabilidade, além da sua quantidade e frequência. Os critérios levados em conta são turbidez, coliformes totais e cloro residual livre apresentados nas amostras. O químico industrial e doutor em Geologia, Carlos Márcio Soares, alerta que a água abaixo dos parâmetros do Ministério da Saúde pode causar problemas intestinais, gastroenterite, náuseas, dentre outras complicações, como irritação nos olhos.
O estudante de Engenharia de Software, Gabriel Maia, residente no Vale do Jaguaribe, conta que no início do ano teve problemas no olho causado pelo excesso de cloro na água que chega ao chuveiro de sua casa. “Por volta de maio, após um banho, meu olho começou a coçar muito e ficar muito vermelho. Fui ao oftalmologista, e ele falou que o motivo era o contato com o cloro da água”, relata o estudante, que mora no Centro de Jaguaruana. Carlos Márcio pontua que estas complicações são causadas pela presença de “bactérias do grupo coliformes totais e cloro”. Gabriel alega que, por diversas vezes, ainda sente “o cheiro forte de cloro na água”.
Multas milionárias
Além da qualidade da água, a Arce fiscaliza outros aspectos, como provisão dos serviços, que analisa fatores como não atender à solicitação do usuário de conexão à rede pública; gestão comercial e faturamento, que alerta, entre outras coisas, quando o serviço é prestado sem contrato ou com contrato em desacordo com o exigido pela Lei; e proteção ambiental, relacionada às questões ambientais. Juntos, os quatro fatores renderam 77 multas à Cagece ao longo de 2018, beirando os R$ 800 mil.
Somadas todas as categorias de análise da Arce (relacionamento com o usuário, emergência e contingência, além das já citadas), as 433 multas aplicadas entre 2012 e setembro deste ano somam quase R$ 4 milhões. Até 2016, os valores arrecadados eram destinados ao Fundo de Direitos Difusos, do Ministério Público do Ceará mas, após modificação na legislação, os valores começaram a ir para o Fundo Estadual de Saneamento Básico (Fesb), responsável por adequar as políticas de esgotamento sanitário do Estado ao marco regulatório nacional.
Fiscalização
Conforme Geraldo Basílio, a fiscalização nas cidades cearenses é feita pela própria Arce e por uma empresa privada que, juntas, realizam as visitas e trabalham na compilação dos dados encontrados. No caso das avaliações relacionadas à qualidade da água, dois representantes técnicos, um do setor público e outro do privado, vão ao local e analisam todo o trajeto feito até a entrega final ao usuário.
Ainda segundo Geraldo, “o Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec) coleta amostras do material para confrontar com os dados disponibilizados pela Cagece quanto à qualidade do produto”. Caso a amostra não esteja em conformidade com os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, a água não pode ser consumida, correndo o risco de ocasionar doenças de veiculação hídrica.
Por mês, a Arce visita dois municípios além de localidades próximas aos distritos. Na última semana, por exemplo, os sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário de Russas e localidades de Bonhu, Flores, Jardim de São José e São João de Deus passaram pela vistoria técnica. Ao todo, 20 localidades serão fiscalizadas até o fim deste mês.
Geraldo Basílio detalha que as fiscalizações, consideradas de rotina, atendem a uma programação específica para suprir a alta demanda. “Contamos com um quadro reduzido de funcionários”, revela. O órgão tem hoje, cinco técnicos, sendo que dois destes estão em funções administrativas.
Recurso
Em nota, a Cagece informou que do total de notificações recebidas desde 2012, 100 foram anuladas por meio de defesa e 29 encontram-se em fase de recurso. O órgão justificou ainda que “possui uma gerência específica para acompanhamento das demandas regulatórias e é esse setor que presta suporte às unidades de negócio de acordo com as demandas regulatórias advindas das agências reguladoras”.
A Companhia informou ainda que “atende a todas as exigências legais do Ministério da Saúde, contidas na Portaria de Consolidação nº5/2017”. A nota complementa que, “além de atender a todos os parâmetros do tratamento, a Companhia também realiza o monitoramento da água distribuída à população. Ao todo, 206 laboratórios em todo o Ceará realizam diariamente ensaios de tratabilidade e o monitoramento da água que servirá para abastecimento”.
Quanto à quantidade de cloro presente na água de Jaguaruana, a Cagece informou que realiza monitoramento dos parâmetros de água na estação de tratamento que distribui água para Jaguaruana a cada duas horas.