A articulação para reverter a aplicação de uma nova taxa sobre a geração distribuída, ou produção de energia em casa, já começou, e com o sinal estratégico de alerta ligado. Isso porque a previsão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de reduzir o valor de retorno da produção excedente ao consumidor em 62% já deverá ter início no primeiro semestre do próximo ano. A medida tem preocupado os empresários que atuam no setor e as entidades ligadas aos negócios de geradores e placas solares fotovoltaicas.
Ainda na tarde de ontem, a agenda do Sindicato das Indústrias de Energia e Serviços do Setor Elétrico do Ceará (Sindienergia) e da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) contava com uma ligação para a Aneel para iniciar as conversas sobre o assunto. E no próximo dia 7 de novembro, a Agência promoverá uma audiência pública para todo o País focada em ouvir reclamações e pleitos sobre o novo modelo de taxação.
Segundo Benildo Aguiar, presidente do Sindienergia, a preocupação surgiu após a Aneel decidir abrir mão do programa progressivo de aplicação da taxa e ter passado a adotar apenas uma opção para todos as minis e micros usinas de geração distribuída. Todo o excedente produzido pelo consumidor, atualmente, é devolvido à rede geral e vira crédito extra para quem produz como abatimento na conta de energia. A Aneel, no entanto, avaliou que, com o crescimento do segmento de geração domiciliar, as distribuidoras terão de arcar com prejuízo de R$ 35 bilhões em 2035.
Para compensar o revés sem repassá-lo aos demais consumidores, a Agência estabeleceu um desconto sobre a energia excedente gerada. Inicialmente, o ajuste teria cinco faixas de redução do valor retornado: de 28%, 34%, 42%, 50%, e 62%. Além da progressividade, produtores já conectados à rede teriam 25 anos de carência antes de serem cobrados no novo modelo.
Transição
Mas a Aneel decidiu cancelar as faixas de evolução e irá aplicar apenas a taxa mais alta, de 62% de retorno a todos os produtores. O tempo de carência para quem já está conectado à rede também foi reduzido, indo apenas até 2030.
Além disso, caso a Agência mantenha a decisão, empresas e pessoas que geram energia em um local, mas utilizam a produção em outro – prática conhecida como geração remota – receberão a nova taxação sem nenhum regra de transição. A medida é vista por Joaquim Rolim, coordenador do núcleo de energia da Fiec, como um bloqueio à evolução do segmento de geração distribuída no Brasil.
A opinião é corroborada pelo presidente do Sindienergia, que projetou uma redução de 60% na quantidade de empregos no setor de geração de energia solar em todo o País. O encolhimento representaria o fechamento de mais 36 mil postos de trabalho no País, e cerca de 990 oportunidades a menos no Ceará. Segundo dados do Sindienergia, o Estado conta com cerca de 1,65 profissionais no segmento.
“O setor de energia é responsável por gerar mais 60 mil empregos no Brasil, mas agora a expectativa é reduzir esse número em 60%. Além disso, ainda temos o aumento dos impactos ambientais, que poderiam ser amenizados pelo incentivo a energias limpas. E o pior é que ainda não estamos contando os empregos indiretos”, disse Aguiar.
Para Aguiar, as distribuidoras de energia serão as mais beneficiadas pela decisão da Aneel, que deverá começar a valer no começo do próximo ano. “Quais os interesses dessa nova taxa? Não resta dúvida de que é a distribuidora a mais beneficiada, que volta a ser a monopolizadora do mercado de energia”, disse.
Articulação
Até o dia da audiência pública da Aneel, que será realizada em Brasília, representantes do setor no Estado deverão tentar manter um canal de diálogo com a Agência. O objetivo é elaborar um modelo ou contraproposta ao projeto anunciado. Joaquim Rolim afirmou que, apesar de não haver uma articulação nacional estruturada, a alternativa à taxação vem sendo trabalhada em conjunto com a Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Rolim comentou que o modelo proposto deverá manter os benefícios para os produtores que já estão conectados à rede de energia, sem a taxa extra. A ideia seria começar a taxar o setor quando a matriz energética do País passasse a ter 5% da fonte solar fotovoltaica. Atualmente, o segmento representa apenas 1,3%.
Contudo, a previsão é que a meta seja atingida em até três anos. Até lá, de forma conjunta, Aneel, empresários e entidades do setor, teriam tempo para elaborar um modelo prático para a cobrança pelo excedente gerado sem prejudicar as distribuidoras ou os consumidores que decidem investir na geração domiciliar.