O baiano Raul Seixas (1945-1989) e o cearense Belchior (1946-2017), dois ícones da MPB, trazem poucos pontos de convergência na história da música brasileira. No final da vida de Raul (morto há 30 anos), os músicos da banda Radar debandaram para tocar com o cearense. E, em 1976, ano do “estouro” de Belchior, Raul simplesmente resolveu dar uma alfinetada no “rapaz latino americano”, na fórmula das músicas de protesto feitas na época, e lançou a canção “Eu também vou reclamar”.
Os dois, agora, ganharam atenção de um mesmo biógrafo. Após o sucesso de “Belchior – Apenas um rapaz latino-americano” (Editora Todavia, 2017), o jornalista paraibano Jotabê Medeiros, radicado em São Paulo, lança a biografia de Raul Seixas, “Não diga que a canção está perdida”. Em Fortaleza, o lançamento acontece hoje (24), às 17h, no Cantinho do Frango (Aldeota).
Após o primeiro lançamento, a obra ganhou repercussão midiática ao citar um documento que levanta suspeita de que Raul Seixas teria entregue Paulo Coelho, escritor e seu parceiro musical, para os militares durante a ditadura. Em resposta à imprensa, Coelho não confirmou, nem desmentiu a delação.
Além da polêmica, a obra pauta os caminhos que levaram um garoto da classe média de Salvador (BA) a se tornar não só uma referência da MPB, mas um ícone da cultura pop nacional. Na “mitologia” sobre Raul Seixas, os fãs exaltam a trajetória de um artista que conseguiu alcançar o sucesso comercial no Brasil, sem abrir mão de uma poética repleta de lirismo e letras incisivas sobre o comportamento social.
Nesse sentido, versos carregados de lamento, como os de “Ouro de Tolo” (“Eu devia estar contente/ Porque eu tenho um emprego/ Sou dito cidadão respeitado/ E ganho 4 mil cruzeiros por mês”), ainda flertam diretamente com a realidade brasileira. Raul Seixas conseguia dar choques de consciência e ser pop ao mesmo tempo.
Para além disso, destaca Jotabê Medeiros, Raul foi, segundo ele, o artista mais completo da MPB. O biógrafo conclui isso ao responder o que mudou em sua visão sobre o baiano, finalizada a biografia. “Eu não estou falando isso demagogicamente. Mas é que o Raul tinha domínio completo das artes da produção. E ele era um ‘band leader’ muito bom. E ainda era arranjador, compositor, músico de estúdio”, detalha o jornalista.
Jotabê observa que nem Chico Buarque, Caetano Veloso ou Gilberto Gil tiveram essa abrangência de habilidades. Além da carreira solo, Raul Seixas experimentou toda essa expertise como produtor da extinta gravadora CBS, por exemplo.
Pesquisa
O biógrafo trabalhou durante um ano e meio na pesquisa do novo livro. Depois do fim do projeto com Belchior, a Editora Todavia fez o convite para Jotabê biografar Raul.
“Na hora, eu fiquei meio aturdido. Porque é um desafio muito grande, me parecia impossível. Mas naquela mesma noite eu saí pra tomar um chope com um amigo, o fotógrafo Juvenal Pereira. E comentando com ele sobre essa proposta, o Juvenal disse que tinha fotografado, em 1988, o diário do Raul”, recapitula.
A partir dos escritos do diário do artista, Jotabê resolveu encarar a investigação e se deparou com duas pessoas fundamentais para revelar a trajetória do baiano. Mauro Mota, parceiro e produtor dos primeiros álbuns “bregas e cafonas” da discografia de Raul Seixas, e Leno (da dupla Leno & Lilian), ajudaram a recuperar boa parte da história.
Além deles, “teve os Panteras né? A primeira banda do Raul. Estão todos na ativa, exceto o baterista (Carleba), que disse que vai se aposentar agora. Eles têm uma memória prodigiosa, lembram de todas as passagens da história deles com o Raulzito”, acrescenta Jotabê.
Apelo
O autor frisa que, desde o início da década de 1970, quando começou sua carreira solo, o baiano já trazia todo o magnetismo que fisgou fãs aficcionados por sua obra, mesmo após a morte precoce.
Para o biógrafo, Raul Seixas, vestido com casaco de couro, cabelo gomalinado, e ciente de um personagem ousado, sabia bem o que queria com sua produção artística.
“Ele nunca foi ingênuo. Sabia o que deixaria para a posteridade. E a prova disso é a própria consistência da obra dele. Os pressupostos dele, as grandes viagens libertárias, estão em toda discografia. E ele ainda trabalhou muito a questão da mídia, percebendo isso como uma força emergente”, reflete Jotabê.
Serviço
Não diga que a canção está perdida
Lançamento da biografia de Raul Seixas, escrita pelo jornalista Jotabê Medeiros (SP). Neste domingo (24), às 17h, no Cantinho do Frango (Rua Torres Câmara, 71, Aldeota). O livro estará à venda no local, por R$ 69,90. Contato: (85) 3224.6112